terça-feira, 25 de outubro de 2011

Cinema na Rede: Crítica - O Palhaço

O Palhaço é apenas o segundo filme de Selton Mello como diretor, mas já pode ser considerado como a demonstração da personalidade característica de um dos artistas mais completos do cinema nacional. Em cartaz no Festival do Rio 2011, como hors-concours da Première Brasil, o filme já desperta curiosidade e debates, mesmo antes da estreia em circuito comercial (que será dia 28 de outubro).

Além da direção irretocável, madura e sensível, Selton também é protagonista da obra e, ao lado de Valdemar (Paulo José, de Meu País), seu pai e parceiro de picadeiro, forma a dupla de clowns Pangaré e Puro Sangue. A retratação da vida circense itinerante é cuidadosamente detalhada e os movimentos e expressões faciais dos palhaços, dotados de uma comovente graciosidade.

Trilha e efeitos sonoros, movimentos de câmera, textura das cores e fotografia, direção de arte e figurinos... os aspectos técnicos do filme são primorosamente executados e amplificam os sentimentos conflituosos de Benjamim (Selton Mello, de Lope), no processo de caracterização de um universo tão particular que é o dos palhaços, composto, ao mesmo tempo, de alegria e tristeza, felicidade e melancolia.

As técnicas de direção e a escolha por enquadramentos que contribuem para que os personagens interajam com a câmera, com simples olhares que dizem mais do que diálogos extensos, são fatores importantes e que remetem, inclusive, ao neo-realismo italiano. Em Noites de Cabíria (1957), do mestre Fellini – que também já visitou o universo circense em Os Palhaços (I Clowns, de 1970) –, ou em Ladrões de Bicicleta (1948), de Vittorio de Sica, seus protagonistas, em momentos-chave, olham para a câmera como se estivessem dialogando com o espectador. As referências presentes no filme de Selton demonstram a profundidade de sua obra.

Benjamim não tem carteira de identidade, CPF ou comprovante de residência, apenas uma certidão de nascimento mal conservada, fato que faz referência à sua vida sem raízes, segurança ou endereço fixo: uma alusão à realidade comum de artistas de circos itinerantes, que fazem rir no palco, mas choram nos bastidores. Estes elementos que criam representações metafóricas das angústias e dúvidas do personagem, assim como os devaneios que apresenta, contribuem para amplificar a sensação da dualidade de seus conflitos, apresentada em forma de comicidade dramática. Já a recorrente presença da figura de uma criança (Guilhermina) remete à inocência infantil, em contraposição à amargura da vida adulta. “Eu faço o povo rir, mas quem é que vai me fazer rir? Tô precisando”, diz Benjamim.

As viagens pelo interior do país são feitas com a trupe do Circo Esperança, que compõe um mosaico de personagens extravagantes e impagáveis. Destaque para as participações especiais de Tonico Pereira e Moacyr Franco (Delegado Justo), que faz sua estreia no cinema aos 75 anos e protagoniza uma das melhores cenas do filme. O roteiro apresenta cenas e diálogos inteligentemente construídos e muito bem executados. Comédia com elementos de drama ou drama com elementos de comédia? A junção destes gêneros aparentemente opostos enriquece esta verdadeira pérola do cinema nacional. Imperdível.

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